quarta-feira, fevereiro 07, 2007

A VITORIA DO ESPÍRITO

A VITÓRIA DO ESPÍRITO
AUGUSTO DOS ANJOS

Era uma preta, funeral mesquita,
Abandonada aos lobos e aos leopardos
Numa floresta lúgubre e esquisita.
*
Engalanava-lhe as paredes frias
Uma coroa de urzes e de cardos
Coberta em pálio pelas laçarias.
*
Uma vez, aos lampejos derradeiros
Das irisadas vespertinas velas,
Feras rompiam tolos e balseiros.
*
E pelas catacumbas desprezadas,
Mochos vagavam como sentinelas,
Em atalaia às gerações passadas!
*
Um crepúsculo imenso, nunca visto
Tauxiava o Céu de grandes roxos
Da mesma cor da túnica de Cristo.
*
Fulgia em tudo uma estriação violeta
E um violáceo clarão banhava os mochos
Que em torno estavam da mesquita preta.
*
Já na eminência da amplidão sidérea
Como uma umbela, se desenrolava
A esteira astral da retração etérea.
*
Os astros mortos refulgiam vivos
E a noite, ampla e brilhante, rutilava
Lantejoulada de opalinos crivos.
*
Súbito alguém, o passo constrangendo,
Parou em frente da mesquita morta...
- Um vento frio começou gemendo.
*
Era uma viúva, e o olhar errante, a viúva,
Em passo lento, foi transpondo a porta,
Eternamente aberta ao sol e à chuva.
*
A Lua encheu o espaço sem limites
E, dentro, nos altares esboroados,
Foram caindo como estalactites
*
Sobre o ouro e a prata das alfaias priscas
Um dilúvio de fósforos prateados
E uma chuva doirada de faíscas.
*
Fora, entretanto, por um chão de onagras
Vinha passeando corno numa viagem
Um grupo feio de panteras magras.
*
E havia no atro olhar dessas panteras
Essa alegria doida da carnagem
Que é a alegria única das feras.
*
E ardendo na impulsão das ânsias doidas
E em sevas fúrias, infernais ardendo
Todas as feras, as panteras todas
*
Avançam para a viúva desvalida.
E raivosas, contra ela, arremetendo,
Tiram-lhe todas ali mesmo a vida.
*
Morria a noite. As flâmulas altivas
Do sol nascente erguiam-se vermelhas,
Como uma exposição de carnes vivas.
*
E iam cair em pérolas de sangue
Sobre as asas doiradas das abelhas,
E sobre o corpo da viúva exangue.
*
A Natureza celebrava a festa
Do astro glorioso em cantos e baladas-
O próprio Deus cantava na floresta!
*
Nos arvoredos rejuvenescidos,
Estrugiam canções desesperadas
De misereres e de sustenidos.
*
Além, entanto, na redoma clara
Que envolve a porta da região etérea,
O espírito da viúva se quedara
*
Ao contemplar dessa fulgente porta
E dessa clara e alva redoma aérea,
No desfilar de sua carne morta
A transitoriedade da matéria!

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