Transposto da Coluna Prosa & Verso do Jornal de Fato de 03/04/2011 - Domingo
Brincando com fogo
Alguém teve a ideia de fazer um templo islâmico nas proximidades do terreno onde estavam as Torres Gêmeas antes delas serem derrubadas pelos aviões guiados pela Al Qaeda de Osama Bin Laden. Isso provocou a reação de um pastor norte-americano que prometeu queimar o Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos. Como uma estupidez chama outra, um outro pastor, em pleno Afeganistão, teve a asnática ideia de queimar mesmo o Alcorão. O que se poderia esperar disso? A humanidade guarda no seu corpo as chagas da estupidez maior da sua longa história: As Cruzadas, uma sequência de guerras ditas santas que cometeram estragos tão gigantescos que um milênio se aproxima e as feridas ainda se acham abertas. O que não se pode negar, apesar de tudo, é que os muçulmanos têm sido mais tolerantes que nós. O Cristianismo está em todo canto, os templos católicos foram construídos por lá em pleno clima de guerra, mais recentemente as igrejas evangélicas põem os pés por lá e eles não rasgam a Bíblia. Até respeitam Jesus como um profeta e Maria como uma grande mulher. Deixando de lado todas estas considerações, temos que fazer cair a ficha de quase um milênio de conflitos na realidade atual. É lá que está o petróleo. O fogo da fé anima aquela que nós chamamos de fanáticos, e o combustível do século XX que ainda vai ser fundamental para economia do planeta pelos próximos 70 anos, é o que anima a ambição capitalista dos senhores da guerra, os países que se dizem civilizados, desenvolvidos, democráticos, humanistas. Estados Unidos, França e Inglaterra bombardeiam a Líbia, depois de tanto sangue derramado de quase um milhão de iraquianos e de dezenas de milhares de afegãos e um mundo muçulmano pegando fogo em protestos políticos que derrubam ditadores, como num arrastão, mas que encontram ossos duros de roer como na Líbia do coronel Muamar Kadafi. Bem ou mal, a coisa caminha em prol da derrubada de mais ditadores. Mas, a cara dos Estados Unidos, assim como a sua sede de petróleo está cada vez mais nítida, em estragos e mortes de inocentes no entorno do ditador líbio. Os rebeldes não têm cara de rebeldes, não têm autonomia e todos sentem e sabem que eles manipulados de fora para dentro, armados pelo capitalismo cristão e até apoiados logisticamente pelas armas e aviões bombardeiros dos papa-petróleo... Diante da estupidez do pastor ianque que queimou um exemplar do Alcorão, provocando a ira santa dos muçulmanos afegãos que somaram num milhar e foram à embaixada americana e mataram sete funcionários da ONU, decapitando dois deles. O que isso pode provocar, é que a guerra agora corre o risco de não ser mais contra Kadafi na Líbia, Qaboos Bin Said em Omã, Ali Abdullah Asseh no Iêmen, Hamad Bin Isa no Bahrein, Ismael Omar Guelleh em Djibuti, Bashar El Assad na Síria, Omar Al Bashir no Sudão, Abdelaziz Bouteflika na Argélia, Mohammed VI no Marrocos ou Mohamed Ould Abdelaziz, na Mauritânia. Mas ser vista como uma guerra contra Allah, contra Maomé, contra o Islã e isto unificar o povo, independente de fronteiras para defender a sua cultura e a sua fé... E o seu petróleo. Somente a estupidez de um pastor fundamentalista, tão nocivo quanto Bin Laden ao convívio civilizado dos humanos, para fazer com que pessoas sofridas, oprimidas pelas ditaduras e premidas pela corrupção, possam se unir, até mesmo em torno dos seus opressores para rechaçar a ameaça externa, infiel. Vale lembrar que foi assim que os Estados Unidos conseguiram ter Bin Laden ao seu lado contra os russos no Afeganistão e depois tê-lo nos calcanhares, soltando todos os demônios contra os próprios Estados Unidos. Por isso que se dizia no começo das guerras do Iraque e Afeganistão, lembrando o Vietnã: "Errar é humano, permanecer no erro... É americano!".
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