segunda-feira, dezembro 10, 2007

SHAKESPEARE A MANEIRA DOS.. TURCOS

 

Shakespeare a maneira dos... turcos

 

Delmo de Oliveira Arguelhes*

 

         "Soltará com alarma os cães de guerra" [Júlio César, ato III, cena I – tradução de Bárbara Heliodora]. Esta é uma das citações mais recorrentes acerca da guerra. Evoca não apenas o perigo da atividade bélica, mas também o ímpeto dos guerreiros e o jorro de adrenalina que os soldados experimentam diante do combate. Pode significar também a tensão do início dos combates. Afinal uma declaração de guerra, ao contrário do que era em alguns séculos anteriores, não é mais simples ato de Estado, o qual pode ser impunemente exercido, sem maiores desdobramentos. A guerra, nos últimos duzentos anos, não pode ser mais concebida como esporte de príncipes.

         Há mais de meio século – em obra publicada em 1954, O homem, o Estado e a guerra – Kenneth Waltz afirmava que não existiam vitórias nas guerras; apenas graus diferenciados de derrotas. Essa assertiva é de uma importância fundamental. Reconhece que não apenas a atividade guerreira é incerta, mas também os desdobramentos são incontroláveis, mais do que o costumeiro. Clausewitz, general prussiano do século XIX, observava que a guerra é o reino do perigo, pois o resultado jamais pode ser antecipado, afinal, o fenômeno bélico é uma colisão de forças vivas. Se um lado busca a vitória, aplicando táticas que surpreendam o inimigo, o outro lado faz o mesmo. Daí que o primeiro passo não pode ser dado, sem se considerar qual será o último. Clausewitz considerava isto apenas para a guerra absoluta, entretanto, com a dinâmica atual dos conflitos, esse preceito vale para qualquer empreita militar além fronteiras.

         Essas são apenas algumas considerações que saltam aos olhos diante da guerra anunciada entre a Turquia e o PKK (Partido dos trabalhadores curdos). Após os ataques aéreos de sexta-feira (26/10), desfechados pela Força Aérea Turca, e da concentração de 100.000 soldados turcos na fronteira norte do Iraque, parece que o conflito aproxima-se cada vez mais da concretude. Na atual situação iraquiana, a invasão do norte do país será mais um fator – dentre tantos outros – de desestabilização. Estados Unidos e aliados ao sul, turcos no norte, nenhum deles parecem ter grandes preocupações com populações civis. Em nome da luta contra o terrorismo, qualquer método é aceitável – segundo o lado de cá da batalha. Se afirmamos acima que a guerra é imprevisível, pelo menos poderemos desde já ter alguma certeza: se, e quando, os combates começarem, a população civil sofrerá muito. O vice-premier turco, Cemil Cicek, já havia afirmado que não há inocentes entre os membros do PKK – já que todos são culpados por participarem de um grupo terrorista. Nos últimos seis anos, o termo terrorista transformou-se numa palavra mágica: serve para justificar quaisquer ações, comportamentos absurdos e violações contra os direitos humanos. A posição dos Estados Unidos é cambiante: primeiro condenaram o terrorismo do PKK, depois afirmaram que tudo se resolveria diplomaticamente e, agora, afirmam que não vão intervir no conflito entre as partes. Isso já parece um aval.

         Numa cena do filme Jornada nas Estrelas VI – a fronteira final, os klingons aconselham os tripulantes da Enterprise a lerem Shakespeare no original – não em inglês, mas em klingon. Assim, os humanos poderiam captar toda a beleza das palavras marciais do poeta. Fico imaginando como seria a versão turca de Júlio César.



* Licenciado em História (UniCEUB), Mestre em História (UnB), doutorando em História (UnB). Professor dos cursos de Relações Internacionais (UniCEUB e UniEURO) e de História (UniCEUB e Alvorada).




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William Pereira da Silva - 84 - 88287382

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