terça-feira, janeiro 16, 2007

CARTA DE UM EXCEPCIONAL


Carta de um excepcional

Texto publicado no Suplemento Escola da gazeta do oeste em 04/10/2006



Martha Cristina E. Maia
Professora



No IV seminário temático do Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, fiquei a observar o desespero de algumas mães de filhos com paralisia cerebral em relação à educação.

Cada ser humano tem sua forma própria de aprender, cada um é um, é isto que tem que ser respeitado.

Muitos convites foram enviados, porém "os ignorantes, que acham que sabem tudo, privam-se de um dos maiores prazeres da vida: aprender".

Subscrevo uma carta de um excepcional que nos diz:

"Mamãe... num raro momento de felicidade, recobro a consciência e por alguns instantes libertei-me do meu corpo, livre dos embaraços físicos. Pedi a Deus a oportunidade de me comunicar com você. Sei o quanto sofre ao ver-me no corpo excepcional, onde me abrigo como filho do teu coração, por isso quis falar-lhe. Saiba, mamãe, antes de receber-me carinhosamente em teu ventre, eu era um náufrago nos mares espirituais do sofrimento, foi você a praia que me acolheu, devolvendo-me a segurança.

Não pense que se eu tivesse morrido ao nascer teria sido melhor pra nós dois, é um engano cruel, pois o que é mais importante pra mim é viver, o seu amor e a sua força que pode prolongar-me a vida. O corpo disforme que hoje sustenta-me a vida representa pra mim um tesouro de bênçãos, onde reeduco o meu espírito, aprendendo a valorizar a vida que tanto desprezei.

Sei que sofre por eu não poder dar-lhe as alegrias de uma criança sadia, porém reconforta-me saber que para mães como você, Deus reserva as alegrias celestiais, é missão que Deus só entrega a mulheres especiais como você.

Vou retornar ao corpo, assim como uma ave que retorna ao ninho onde se abriga das tempestades, mas antes rogo a Deus que lhe abençoe, colocando nessa carta a força da gratidão de um filho que teve a felicidade de ter um anjo como mãe (Regina).


Temos também em Mossoró exemplos de superação, como a vida de Louise Melo de Morais Vale, cuja família não tinha o conhecimento real da sua deficiência, que só veio a ser descoberta com 6 anos de idade. Ela tem deficiência visual. A descoberta iniciou-se a partir da escola, quando ela não conseguia tirar a matéria do quadro.

Ocorreram naquele momento as suas frustrações e más lembranças, pois ela necessitava deslocar-se da carteira até bem próximo do quadro para enxergar as letras e mesmo assim nem sempre conseguia, além de ser sempre xingada pelos demais alunos com vários palavrões quando ficava na frente deles.

Mesmo sendo colocada em uma carteira perto do quadro, sentia dificuldades e ficava isolada das outras crianças.

"Eu chorava muito pra não ir mais às aulas. Devido a essas circunstâncias saí da escola e passei o resto do ano sem estudar, e comecei a ter aulas particulares, pois minha mãe não queria me deixar sem orientação escolar. Nessa época, por intermédio de uma vizinha, fui levada a fazer alguns testes com psicóloga e de lá fui encaminhada ao CADV, onde estudei da até a quarta série. Lá sentia-me em casa, fiz boas e duradouras amizades, as quais perduram até a atualidade. Adquiri o gosto pelo estudo e aprendi que não era a única com alguma deficiência. Depois fui encaminhada a uma escola de ensino regular e em 1997 comecei a estudar no Diocesano, sendo muito bem recebida. Durante esse período, mantive um ótimo relacionamento com os professores, com pequenas exceções.

Quando estava na oitava série, o professor de ciências passou a tarefa de transcrever da apostila para uma folha de papel ofício o desenho de uma orelha,e alegando que eu deveria ter tratamento igualitário, exigiu-me a realização da mesma atividade, não aceitando a minha argumentação de impossibilidade. Ele confundiu a noção de tratamento igualitário.

Nessa fase, meu relacionamento com os colegas de classe era problemático: quase não tinha amigos. Nos trabalhos escolares, acabava por ficar nos grupos de alunos mais desinteressados. Fui destacada na quinta série como aluna nota 10 num jornal da escola, contudo meus conflitos interiores almejavam muito mais pelas amizades e aceitação da minha pessoa por parte deles do que mesmo pelas referidas notas. Cheguei até a dizer para duas grandes amigas que trocaria todos os meus 10 pelas amizades que uma das colegas de classe tinha. No ensino médio dei a volta por cima e, para dentro de mim mesma, deu-se com o fato que marcou a grande transformação que iria ocorrer em minha vida. Foi nos meses iniciais do 1º ano. Eu estava com uma colega, mas na imensidão do Diocesano, sentia-me sozinha. Nesse dia, aconteceu algo estranho: comecei a chorar no corredor e uma outra colega veio conversar comigo e eu não sei bem o porquê, mas a partir desse momento começou minha superação. Comecei a me enxergar como pessoa e não querer a minha deficiência. Assim aconteceu a transformação em minha vida. Nesse mesmo ano pude escolher 3 grupos para realizar um trabalho, bom para quem anteriormente não tinha nem escolhas. No decorrer dos últimos anos, os quais antecederam a grande virada, existiram alguns fatos que contribuíram: o nascimento de minha irmã, em 1998, deu-me mais autonomia, a inclusão de novos alunos na minha classe, provenientes de outras turmas do mesmo colégio, os quais já tinham ouvido falar de minha capacidade através dos professores, e meu namoro com um rapaz cego que me mostrou nossa capacidade, mesmo sendo deficientes. E pra ampliar meus horizontes,prestei vestibular pra serviço social em uma sala especial com ledor para prova ampliada e tempo adicional na UERN, em abril de 2004. Fui aprovada e passei em primeiro lugar, e atualmente participo de um grupo de dança Vida em Movimento, com pessoas com baixa visão e deficientes físicos. Encontro-me em uma fase cheia de planos e perspectivas, estando em um estágio curricular no CEFET-UNED-MOSSORÓ/RN. Pretendo trabalhar com a causa da inclusão e cursar uma pós-graduação. Mesmo assim, conflitos internos, vez por outra surgem em minha mente, quando por algum motivo decorrente da deficiência visual me vejo em desvantagem ou impossibilitada de realizar algumas tarefas. No entanto, a equipe do serviço social, minha mãe, amizades, têm me dado apoio pra continuar firme em busca deminhas metas. Encerro aqui a minha história de educação escolar até o presente momento, e não o de minha vida de aprendizagem".


Minha querida Louise, seu testemunho é lindo, e cumpri o que disse de publicar aos nossos queridos leitores seu exemplo de vida.

Deixo essa carta para sua meditação de Harry W. Boullon.


Quando o dia amanhecer e lhe trouxer novos temores, luta! Porque na luta cotidiana o seu valor se reafirmará.

Se a vida lhe entristece e a tristeza lhe toma, luta! Com persistência e uma meta, o vazio a deixará.

Se a dor estiver forte e a vida insuportável, luta! Porque por mais intensa a você será dada a paz. E se acontecer de um amor ingrato marcar a sua vida, então, sem pensar, LUTA! Porque o trabalho apagará a dor.

Os pequenos prazeres que em sua vida existem, se queres, saboreia-os plenamente, LUTA! Porque o repouso da jornada será maior quando você merecer.

Se em sua família quer como uma mãe exemplar dar, LUTA! Porque nunca um covarde venceu e seus filhos lhe seguirão.

E na vida, querido leitores, "os que foram maltratados e acreditam que foram maltratados são terríveis, pois estão sempre em busca de sua oportunidade" (Aristóteles). A todos, desejo um dia cheio de superações e de lutas, nunca esqueçam, são os meus votos

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